Dec 16, 2012

A crônica sem título da minha adolescência.

Escrevi esse texto aos 17 anos de idade. Encontrei-o como que por acaso há pouco tempo. Achei engraçado que meu eu adolescente conseguiu descrever tão bem seu futuro adulto. Talvez não seja a melhor das histórias, mas é uma história que me parece real. Gosto dessas histórias. A TV sempre fora uma especie de amiga, e naquela época eu não tinha o costume de beber. A vida me trouxe esse costume, e trouxe também uma história muito similar a essa. No fim do texto eu o dedicava a um amigo, os anos me levaram a lembrança de quem era esse amigo. Quem quer que seja, obrigado.




A TV ainda chiava, ele procurou o controle pela sala, nada. Procurou apenas com os olhos, é claro. Apesar do cansaço que começava a tomar conta do corpo ele se sentia feliz, sua inimiga jazia, esperava apenas pelo golpe de misericórdia. Mas onde estaria o maldito controle? Ah! Claro, como fora burro, provavelmente estava no quarto junto com todas aquelas outras coisas.

A parte mais difícil fora criar coragem, enfrentá-la como homem, de frente. Não compreendia bem porque, mas havia ligado a TV assim que chegou em casa. O maravilhoso e revolucionário Grill Expert era anunciado. Apenas mudou de canal, outro produto era vendido, e com uma tática de venda ainda mais deprimente, como ele odiava o sensacionalismo:
-Irmão, aceite Jesus. Ligue para nossa Central do Descarrego.

A que ponto a humanidade chegara, pessoas procuravam amenizar seus problemas de solidão de todo o modo, deprimente. Lembrou-se de Marina. A briga ainda estava em sua cabeça, como ela pôde ter dito que ele não lhe dava atenção. As mulheres são mesmo muitíssimo injustas. Era muito tarde pra ligar pra ela, a bebedeira no bar tomara grande parte de sua noite. Estaria bêbado?

Voltou à sala, nada havia para aplacar sua ebriedade na cozinha, na realidade, nada havia na cozinha. “Nota mental: fazer compras”, fazer compras não era muito divertido, o lembrava da pobreza humana, a de espírito, ele preferia passar outra noite no bar. Na TV uma mulher agradecia uma cura milagrosa e chorava nas vestes de um pastor, ou padre ou quem quer que fosse, aquilo não lhe interessava mesmo. A TV chiou rapidamente enquanto uma nova imagem se formava: a seleção brasileira. Aquilo era um programa menos ruim a essa hora da noite, apesar de ser mais um dos muitos comercias que usavam daquele trecho de jogo. O comercial das incríveis lâminas triplas o lembrou que precisava mesmo se barbear. Imaginou como estaria. Imaginou com quem Marina estaria.

O espelho do banheiro ainda estava quebrado, nem se lembrava há quanto tempo. No quarto encontrou o pequeno espelho do guarda-roupa, virou a foto de Marina pra parede, ela não poderia vê-lo naquele estado. Sim, estava bêbado.

Mais uma vez na sala, começou a se cansar daquela madrugada. Que dia era mesmo? Não que importasse, não teria um emprego pra ir pela manhã. Sua cabeça latejou, perdera o emprego. Então era esse o motivo da bebedeira, e chegou a pensar que fora por ela. Ora, nunca que uma mulher o deixaria naquele estado, zapeou a TV, apenas uns poucos canais. Decerto que a TV a cabo tinha sido cortada, agora tinha motivos pra se irritar. Que tipo de monstro corta a TV a cabo de um recém-desempregado? Muitas perguntas existenciais de alta importância pairavam sobre ele agora. Com certeza teria de ver a luta na casa de Marcos.

Não encontrou o telefone no quarto, estava na cozinha. Maldito telefone sem fio. Não importava a hora, ligaria pra Marina e ela ouviria umas verdades. Como se atrevera a deixá-lo no bar e cortar a TV. As coisas pareciam confusas, só tinha certeza da raiva que sentia por ela. Era mesmo raiva? Algumas vezes ela já confundira raiva com saudades. A loura do quinto andar dera mole pra ele no elevador, mas isso fora pela manhã, quando era um assalariado respeitável, e não um bêbado vadio.

Voltou à TV novamente. Nada lhe interessava, pensou em dormir, mas já andara pelo apartamento todo demais para uma bebedeira só, mesmo assim foi até o quarto, na exata hora em que Fred Astaire começava seu solo no filme da madrugada. Até que dançava bem o tal do Astaire. Voltou a se irritar, agora se lembrava perfeitamente de tudo. Marina o deixara porque tinha ido dançar com a loura do quinto andar enquanto ele fora ver TV a cabo no bar. Aquilo fazia algum estranho sentido pra ele, seu estado alcoólico parecia fazer com que tudo se encaixasse, afinal, o que é o amor? Fosse o que fosse, estava irritado, puxou o fio da antena detrás da TV.

Agora ela chiava, e ele não encontrava o controle. Malditos todos os controles do mundo. Saiu do apartamento batendo a porta. 205 era o número da porta. Era esse mesmo o número de seu apartamento? Não importava mais. Imaginou que fosse. Somente um bêbado como ele deixaria a porta encostada. Não importava mais. Lembrou-se da foto de Marina, e quase pôde jurar que se esquecia do rosto dela. Não importava mais. Saiu do prédio. Rodou por mais uns 10 minutos antes de encontrar um bar aberto. Pediu um uísque. Aquilo sim era vida. Nada importava mais.


There and back again.

Clichê, mas é clichê porque funciona. Vou aos poucos trazendo isso de volta a vida. Pretendo escrever contos, usar o espaço como uma forma de organizar o que eu escrevo. Tenho monografia pra concluir e riquezas pra conquistar, mas quem se importa? Quem se importa vai acabar lendo. Então eu volto, logo.